O ato de jogar está longe de ser uma atividade puramente de diversão. Hoje os jogos são utilizados em salas de aula, em treinamentos de equipe, em abordagens de pesquisa ou até em planejamento de marca. Essas analogias e aplicações podem ser chamadas de gamificação, game thinking, seriousplay ou se unem ao design instrucional.
Essas abordagens tendem a utilizar dinâmicas, mecânicas e elementos de jogos para atividades que não são jogos. A gamificação tem evoluído muito em suas adaptações e empresas tem se profissionalizado em práticas que atendam as necessidades de seus clientes. Mas isso é tema para uma próxima publicação.
Com isso, inicio uma série de publicações sobre o tema, compartilhando pesquisas e abordagens de jogos, em especial os analógicos, assim como métodos e ferramentas de gamificação.
O ato de jogar
Johan Huizinga foi o pioneiro no estudo da importância dos jogos, cunhando o termo Homo Ludens, publicando em 1938 um livro com o mesmo nome. Neste, Huizinga descreveu o jogo como um fenômeno cultural identificando a experiência lúdica nos mais diversos aspectos da vida humana: desde o direito, a guerra, o conhecimento, a filosofia ou a arte.
Inúmeros autores que vieram depois dele o utilizam como referência.
Huizinga também identificou alguns traços e características comuns, que permitem reconhecer as características dos jogos. Nesse recorte, reforço dois primordiais para ludicidade. O primeiro traço é o ato voluntário, ou seja, a predisposição:
Brinca-se ou joga-se porque se gosta e “é precisamente em tal fato que reside sua liberdade de escolha”
À segunda característica liga-se a ideia de que o jogo se concretiza como evasão da vida real, com orientação própria, ocorrendo dentro de limites de tempo e espaço, criando a ordem por meio de uma perfeição temporária e limitada. Com isso, o autor cunhou o termo Círculo Mágico, que, embora finito na sua duração, ao ser transmitido, pode ser repetido a qualquer momento. “Isto se aplica não apenas ao jogo em geral, mas também à sua estrutura interna”.
Outros estudiosos aprofundaram as teorias de Huizinga, como os autores Salen e Zimmermann, escritores da coletânea Regras do Jogo (2012), abordando que um jogo possui quatro elementos essenciais: Os objetos, elementos ou variáveis dentro de um sistema. Os atributos, que são qualidades ou propriedades do sistema e seus objetos. As relações internas, que formam o envolvimento entre os objetos e por fim, o meio ambiente, que é o contexto que circunda esse sistema. Mas dentro desta narrativa dos autores, o lúdico é o ponto essencial de um jogo. Podemos dizer aqui que o lúdico é a cola que sustenta todos eles.
Para contextualizar de ludicidade, teríamos que abordar várias áreas de estudo. A palavra tem sua origem no latim e seu significado é referente a “jogo” e “brincadeira”, conceito que, segundo a psicologia, auxilia no desenvolvimento social, cognitivo e físico da criança. Já sua origem histórica data do surgimento das civilizações antigas e no início, em sua maioria, era considerada uma atividade nobre.
“A ludicidade é uma necessidade do ser humano em qualquer idade e não pode ser vista apenas como diversão. O desenvolvimento do aspecto lúdico facilita a aprendizagem, do desenvolvimento pessoal, social e cultural e colabora para boa saúde mental e física” (MARTINI; SALOMÃO, 2007, p. 4).
Interação por significado
Para que em um jogo ou brincadeira lúdica haja um potencial de desenvolvimento de qualidade em sua essência, é necessário um significado envolto no projeto. Este nada mais é que uma conexão entre o sentido intrínseco na ideia do jogo e os próprios jogadores. Essa conexão, por sua vez, é visualizada na forma da interação lúdica.
Toda a interação lúdica gera uma experiência para o usuário nas diferentes formas e contextos que o jogo pode assumir. Os autores afirmam que esse conjunto de boas experiências e significados, conhecido como interação lúdica significativa (meaningful play), é essencial para um jogo concreto e bem formado.
Segundo Huizinga, o lúdico denota uma função cultural de competição que está atrelada a uma série de aptidões do ser humano. Todo esse jogo de poder está relacionado a muitas culturas que buscam obter poder espiritual por meio de certos jogos e confrontos durante rituais e cerimônias. O pensamento lúdico relacionado à espiritualidade do ser acumula um certo teor cosmológico e subjetivo, enquanto o conflito psicológico está diretamente associado ao contexto da natureza lúdica da cultura arcaica.
Dentro do âmbito da ludicidade, pode-se perceber uma forte presença de um certo acúmulo de fatores sensoriais resultantes da experiência do interlocutor. Esses fatores estão associados ao momento em que uma pessoa imerge ludicamente ao objeto jogo e guia o jogador ao desfrute deste.
Por sua vez, essa experiência é nada menos que a participação ativa do jogador perante o jogo, e sua forma lúdica se torna diferenciada para cada tipo de plataforma e temática (SALEN; ZIMMERMAN, 2012).
Os autores ainda classificam as experiências em cinco aspectos diferentes:
- Varredura visual: associado ao campo de visão do jogador e sua percepção do jogo como um todo;
- Auditivas: compreensão dos eventos e sinais auditivos durante a partida;
- Respostas motoras: ações físicas realizadas pelo jogador com o jogo em si;
- Concentração: foco intenso no jogo e;
- Padrões de percepção da aprendizagem: conhecimento da estrutura e regras do jogo.
Uma das pontes que os jogos fazem é a experiência do sucesso e da conquista. Um jogo, segundo a autora de A Realidade em Jogo, Jane McGonigal, pode simular vitórias por meio de um planejamento, pode abrir caminhos que seriam impossibilitados sem essa simulação. Um jogo para um ambiente empresarial, pode promover a conexão social, onde as experiências e o conhecimento poderão ser compartilhados com todos os stakeholders.
McGonigal reforça ainda que os jogos possuem uma tarefa importante de criar regras melhores de envolvimento e ampliar o círculo de cooperação, o que reforça sua importância em uma gestão organizacional.
Em suma, a experiência lúdica que os jogos oferecem possibilitam imergir em uma causa, concentrar as atenções coletivas para essa causa e inspirar esforços de longo prazo. Por simular situações os jogos fortalecem a resiliência nos jogadores, dando informação e conteúdo necessário em abordagens mais complexas.
———————–
Comente aqui sobre suas experiências lúdicas e o quanto os jogos geram significado na sua vida!
Até mais.