Metoludi

Os três eixos profissionais do Design

Muito além do projeto…

Inicio este texto com uma definição que acreditei ser uma das mais completas sobre Design durante meus quase 20 anos de profissão:

Design é uma atividade projetual que busca dar sentido, construindo identidades e experiências aos produtos e serviços.

Perceba que esta abordagem vai muito além da criação de projetos ou aspectos visuais colocando o Design como gerador de valor por meio do significado construído na elaboração de suas expressões e experiências.

Aparentemente já é uma definição mais completa que simplesmente “resolver problemas”, “projetar”, mas algo me incomodava ainda nesta definição.

Com isso, construo a narrativa deste texto, trazendo o que acredito ser os três eixos essenciais desta profissão, indiferente de qual seja sua especialidade (gráfico, produto, moda, digital, serviços…), já que estes três eixos atuam diretamente com cada ramificação.

PROJETUAL, CIENTÍFICO E ESTRATÉGICO

Seja na graduação, ou fora dela, ficamos fadados a ver o resultado do que o profissional de design produz como algo tangível. Está em um portfolio no Behance ou no site da empresa, está nos produtos que consumimos e que usamos em nosso dia a dia, está em vários pontos de contato de uma marca. Com isso, entendemos que o resultado que o profissional tem a oferecer ao mercado e a sociedade são apenas produtos que geram valor para empresas e para sociedade.

Mas também existe o fator intangível, muito além do design de serviço, que a maior parte da sociedade não percebe mas que age diretamente na profissão.

O que trago aqui, é a perspectiva de um designer pesquisador (no caso, eu) que teve a oportunidade de transitar dentro de três eixos distintos e complementares do Design: o projetual, o científico e o estratégico. Este texto é uma provocação e um questionamento claro do quanto precisamos ser muito mais do que acham que somos.

Cada um destes três eixos será trabalhado logo a seguir, assim como suas relações e contribuições para nossa área. O espaço é curto para uma ampliação dos termos, por isso, fique a vontade para fazer suas considerações e contribuições!

DESIGN PROJETUAL

O eixo de PROJETO tem relação direta com a criatividade e com o método projetual. É a espinha dorsal do designer, o revelando para o mundo como profissional.

Este é o eixo mais trabalhado dentro de uma universidade, correspondendo praticamente a 95% de toda grade de disciplinas, e também, é o mais burlado fora dela, sendo passível de ser aprendido em partes por um autodidata (muitas vezes apenas o caráter técnico), principalmente em especificidades como o design gráfico e o digital.

O eixo projetual move a economia com seus Escritórios, Estúdios, Indústrias e Empresas especializadas em produtos e serviços específicos, seja mobiliário, cerâmico, moda, sites, embalagens, identidades visuais, entre outros.

Em um estudo realizado pelo CBD (Centro Brasil Design) juntamente com a ApexBrasil e o Ministério do Desenvolvimento, publicado em 2014 a atuação dos escritórios de design foi segmentada em seis áreas, estas que também são trabalhadas nas formações em todo pais. A pesquisa identificou 683 escritórios formais de Design no país e os segmentou em:

  • Design Gráfico e Comunicação correspondente a 38% do mercado;
  • Design de Moda correspondente a 2% do mercado, já que muitos destes profissionais estão em indústrias do setor;
  • Design de Produto correspondente a 16% do mercado;
  • Design de Interiores correspondente a 7% do mercado, também pelo fato do contexto estar diretamente ligado a escritórios de arquitetura;
  • Design Digital e Multimídia correspondente a 22% do mercado, incluindo o Design de jogos que cresce a cada ano;
  • Design de Serviços correspondente a 14% do mercado.

O emprego informal não foi considerado nesta pesquisa, ampliando a atuação do profissional, assim como sua conexão com empresas como agências de Publicidade, Editoras, Indústrias (muito forte na área) e demais organizações.

Aqui, podemos tratar de um profissional que pesquisa, planeja, cria, testa e lança produtos e serviços de forma sistêmica, que irão gerar valor para marcas e pessoas. Um profissional que lida com as questões práticas de um produto, que revela conceitos por meio de funções estéticas e que gera significados por meio de funções simbólicas.

Geralmente as definições e características de um profissional de Design trabalharão essas expertises. Preparado para isso que o acadêmico se inserirá no mercado de trabalho em sua jornada de especialização e aprofundamento. Mas geralmente, cursos de Design deixam de abordar os outros dois eixos, na qual considero crucial para formação e atuação do profissional.

DESIGN CIENTÍFICO

O eixo de CIÊNCIA tem relação direta com a experimentação e com o método científico. É o que promove mudanças significativas na área e retroalimenta a profissão por meio da pesquisa científica e da produção de conteúdo. Além de ser o campo de formação do professor que por sua vez, formará o profissional.

O entendimento sobre a importância deste eixo, desde a graduação, está totalmente dependente das instituições e de seus professores. Em uma Universidade que não se aborda o pensamento científico, se negligencia os resultados que podem fortalecer o olhar experimental e de produção de novos conhecimentos na área.

Muitos destes, só terão entendimento da importância da ciência na profissão, quando entrarem em programas de mestrado e doutorado. Programas estes que vem crescendo em todo país, sendo 25 Programas de Pós-graduação em Universidades pelo país, com 17 Mestrados acadêmicos, 8 Mestrados profissionais e 12 Doutorados. A maior concentração destes programas está no eixo Sul e Sudeste. (fonte)

Um dos modelos que faz com que a pesquisa científica cresça, mesmo que sem incentivo, é a organização de Grupos de Pesquisa nas instituições de ensino. Os Diretórios de Grupos de Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico– CNPq demonstram a existência de mais de 50 instituições de ensino superior com grupos de pesquisa relacionados à área de Design, no Brasil. Grupos de professores, pesquisadores, junto com seus acadêmicos, mestrandos e doutorandos, que se organizam em torno de uma ou mais linhas de pesquisa de uma área do conhecimento, desenvolvendo pesquisas que irão contribuir para inúmeras áreas do conhecimento em design.

Quando o acadêmico é introduzido ao olhar de pesquisador desde cedo na sua formação, será um profissional muito mais atento a questões de futuro, a geração de novos conhecimentos e necessidades do mercado que está inserido. O Designer cientista gera oxigênio para que a formação e a profissão de seus pares esteja em constante atualização.

Outro ponto essencial para que a ciência em Design aconteça está nos congressos em Design pelo país. O maior congresso científico da América Latina na área do design também é um dos eventos mais importantes e tradicionais do Brasil. O P&D Design é realizado a cada dois anos no mês de outubro em diferentes cidades brasileiras. Promovido pela Associação de Ensino e Pesquisa e Nível Superior de Design do Brasil (AEND‐Brasil), o evento tem como objetivo contribuir com o desenvolvimento e a difusão científica do design no país.

Junto aos eventos, estão as publicações em Revistas Científicas, onde acadêmicos, pesquisadores e professores podem publicar seu conhecimento científico, tornando público para comunidade. São exemplos de revistas científicas em Design:

Essas são algumas das várias revistas científicas em Design. Caso conheça outras revistas, deixe no comentário com o link!

Aqui, podemos tratar de um profissional mais teórico e analítico. Um profissional que tem como foco o pensar e agir científico na sua área de atuação, se especializando e aprofundando em temas não tratados com frequência, buscando a originalidade e a transformação pela pesquisa. Um profissional inconformado com o presente, sempre atuante para o futuro de sua profissão.

Sabendo que, diferente de outros países que investem na junção do mercado com a academia, o nosso está totalmente dependente de investimentos do governo, ficando a mercê de subsídios que poderiam alavancar as pesquisas na área, mas que infelizmente não são repassados.

O desafio de formar jovens designers cientistas é grande, e muito mais do que ser apenas uma possibilidade no meio, como as especificidades do design, deve ser algo que permeie de forma transversal todos os profissionais.

DESIGN ESTRATÉGICO

O eixo de ESTRATÉGIA tem relação direta com a gestão e o mercado que este estará envolvido. É onde a essência empreendedora e de controle operacional se traduz em polos intangíveis, mas cruciais para o segmento produtivo e econômico.

Geralmente, o acadêmico de Design irá aprender sobre essa importância, em disciplinas no término de sua graduação ou só apenas em uma especialização e MBA. Muitos irão se deparar com a importância do Design Estratégico no próprio mercado, unindo competências com outras áreas, como Vendas, Gestão e Administração.

Já na graduação, é importante que o acadêmico seja apresentado para as organizações de classe e associações em Design. Estas que fomentam as boas práticas profissionais, assim como estruturam estrategicamente o desempenho de nossa profissão. Abaixo estão as mais importantes no setor:

  • Abedesign — Associação Brasileira de Empresas de Design;
  • Abepem — Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Moda;
  • Abraweb — Associação Brasileira de Webdesigners e Webmasters;
  • ADG — Associação de Designers Gráficos do Brasil;
  • ADP — Associação de Designers de Produto;
  • CDB — Centro Brasil Design;
  • CBDI — Centro Brasileiro de Desenho Industrial;
  • IxDA — Associação de Design de Interação;
  • SBDI — Sociedade Brasileira de Design da Informação;
  • WDO — World Design Organization;
  • ICO-D — International Council of Design.

A importância do entendimento estratégico da área, faz com que este profissional em formação saiba que sua área não está ligada apenas a criar produtos, mas também, a geri-los e perceber o quanto isso impacta na economia.

Disciplinas como Gestão do Design, Design e Serviços e Empreendedorismo vem tratando sobre esses temas desde a graduação, mas em muitos casos, é na prática do dia a dia que o profissional precisa lidar com essas habilidades.

Temos aqui, um profissional empreendedor não apenas no mercado, mas dentro da própria empresa que trabalha, observando e sugerindo melhorias em processos, otimizando negócios e construindo experiências. Um designer entendedor do seu impacto na economia, na sociedade e na geração de valor. Um profissional que não simplesmente desenvolve uma Identidade Visual, mas que a cria por meio de um propósito e um conceito que a sustentarão nas ações de mercado.

Anos atrás, o profissional que quisesse se aprofundar na gestão, deveria aprender em especializações de áreas afins, como Administração. Hoje no Brasil, temos cursos de especialização e mestrados focados em Design Estratégico, derivados de parcerias com grandes Universidades como o Politécnico de Milão, exemplo mundial na conexão com o mercado em projetos de inovação universidade/empresa.

RELAÇÕES

Nas mais diversas situações do mercado, os três eixos se relacionam e se conectam em atividades e transformações para esta área. Nessa segunda parte do texto, trabalharei esses contextos de conexão e ampliação desses conhecimentos em um profissional.

PROJETUAL + CIENTÍFICO = CONCEITUAL

Quando unimos o conhecimento do Designer focado em projetos com as habilidades científicas, temos um profissional muito mais sólido em conceito e fundamentação de suas criações. Podemos tratar aqui que o profissional não repetirá conhecimentos e preceitos, mas os construirá.

Geralmente, esta é a relação que gera o professor em Design, especialista em seus eixos e especificidades, mas que continua pesquisando, estudando e criando novas formas de otimização da profissão. No meus caso, sou professor de Criatividade e Inovação e Design de Serviço e dentro de minhas investigações científicas, trabalho com Gamificação, o que me permite unir bases de conhecimento e utilizar ferramentas autorais nestas disciplinas.

PROJETUAL + ESTRATÉGICO = PLANEJADOR

O Designer que pensa em montar e gerir um negócio, muitas vezes, por falta de conhecimento sobre, não se dá conta de que precisa de habilidades estratégicas. Estas, pouco trabalhadas na graduação serão aprendidas com erros e frustrações futuras.

Outra possibilidade é quando um profissional projetivo migra da área de criação para de gestão de projetos, precisando se especializar dentro do seu setor. Existem especializações na área e este entendimento surge quase que como uma linha do tempo: primeiro, o profissional precisa entender como funciona os processos produtivos e passar por todos eles (Projetual), para que só assim, ele possa geri-los (Estratégico).

Quando esse profissional nutre as relações de projeto com suas necessidades de mercado, se torna um profissional planejador, capaz de prever situações, identificar necessidades e criar de forma mais assertiva a realidades presentes.

CIENTÍFICO + ESTRATÉGICO = ANALÍTICO

O contexto pesquisador do profissional científico aliado ao foco nos resultados do profissional estratégico pode despertar um profissional analítico e altamente focado na gestão da inovação.

Unir ciência e mercado muitas vezes pode gerar um choque, já que um trabalha com um tempo mais lento na geração de resultados, provocando testes e experimentações, visando muito o futuro e o outro busca agilidade e eficiência, visando muito o presente. O equilíbrio destas áreas podem surgir em iniciativas de Incubadoras de Design, projetos entre mercado e academia, assim como os laboratórios patrocinados dentro das instituições de ensino.

OS PROFISSIONAIS E SUAS MIGRAÇÕES NATURAIS

Há quem se desenvolva única e exclusivamente durante toda sua vida dentro de um eixo apenas (geralmente o projetual), mas também, existem migrações naturais dentro destes que fazem com que o profissional se complete e fortaleça o mercado.

A minha experiência iniciou como profissional de projeto, trabalhando com o desenvolvimento gráfico em Identidades Visuais, Embalagens e Editoriais. Mas meu apreço pela educação me levou para Universidade como professor, e com isso, para o entendimento do caráter científico do Design.

Durante meu mestrado, tive a oportunidade de coordenar um curso superior em Design na Faculdade onde leciono, fomentando o lado estratégico em minha atuação, que culminou na minha entrada no setor de estratégia de uma empresa de Branding após minha saída da coordenação, cinco anos depois.

Percebo com isso, um amadurecimento de quanto nós, designers, podemos migrar nos campos do conhecimetno, fortalecendo as discussões na área, as motivações que geram transformação e o enfrentamento com um mercado muitas vezes estático e frio.

Então me diga, em qual ou quais eixo(s) você está?

Com isso, chego ao último tópico, trazendo parte desta responsabilidade e reflexão para as instituições de ensino superior.

OS DESAFIOS DAS UNIVERSIDADES

Sabemos o quanto os cursos de graduação precisam formar para o mercado de trabalho e muitas vezes, dar respostas rápidas para que seus acadêmicos e egressos estejam empregados. Assim como, sabemos que o mercado também tem pressa e acredita que a Universidade lhe entregará um profissional pronto, moldado a suas expectativas e necessidades.

Quando existe uma dicotomia de pensamento entre Universidade e Empresa contratante, sempre existirá o preconceito de seus pares em achar que o mercado nunca os entenderá, de um lado, e que a Universidade não serve pra nada, de outro.

Organizações com esse tipo de pensamento sempre existirão. Mas isso não pode ser olhado como uma barreira, e sim, como um desafio. É essencial que as instituições de ensino possuam professores com formação científica de excelência, com atuação profissional comprovada, para que o acadêmico tenha noção e discernimento das possibilidades que o cerca.

As instituições de ensino superior devem continuar ensinando os eixos humanísticos da mesma forma que ensina seus eixos técnicos. Deve ainda mais, se preocupar com o ensino científico e estratégico que preza pelo pensar, discutir e produzir conhecimento gerando um profissional com massa crítica e não apenas um executor de software.

Por fim, devemos entender que o mercado é essencial para o escoamento do profissional recém formado, mas este, não pode ser colocado como massa de manobra e apenas executor de tarefas, e sim, como crítico em um sistema econômico, político e social em que vive. Por isso, o acadêmico com maior clareza também será o profissional de transformação, um educador constante de um mercado sempre desafiador.

Esse entendimento, unindo o design projetual, científico e estratégico, fará com que tenhamos profissionais ainda mais transformadores dentro da nossa área de atuação e assim, um Design muito mais maduro, vivo e gerador de valor para quem o cerca e consome.

Com isso, fecho com uma adaptação da definição de design que apresentei no início deste texto:

Design é uma atividade projetual, científica e estratégica, que busca dar sentido a produtos e serviços, construindo identidade, conhecimento e experiência para fins econômicos, sociais e culturais.

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